Textos, travel journals, fotos e dicas de lugares não convencionais por Raul Frare
Saturday, October 16, 2010
Monday, August 9, 2010
Wednesday, June 30, 2010
Trans-Siberiana
“Volte em três semanas”. Foram as palavras que escutei, num russo seco e ardido, da oficial da seção consular da Embaixada da Rússia em Ulanbator na Mongólia ao deixar minha documentação e pedido de visto. Pensei arrependido: quem mandou deixar tudo pra ultima hora e não aplicar em casa? O que faria eu em mais três semanas de Mongólia? Em três semanas eu já deveria estar em Moscou...
Para quem não sabe o visto de entrada russo é um dos mais chatos que existe: ultra complicado, ultra burocrático e absurdamente caro. E ainda se você está fora de casa fica tudo dez vezes mais difícil. E multiplique isso por ainda mais dez se você está num país como a Mongólia.
Apesar de aborrecido acabei digerindo bem a idéia. Durante as três semanas de espera estive no deserto de Gobi no sul do país, um lugar fantástico e inexplorado de beleza incrível. Passei pelas estepes centrais onde fiquei hospedado por alguns dias num Ger, uma espécie de cabana onde vivem os nômades da região. Cavalguei durante todos os dias no melhor estilo Gengis Khan, bebi leite de cavalo e comi carne seca de camelo. Mas essa estória deixarei para contar numa próxima matéria.
Com o visto na mão peguei o trem Trans-Mongol em direção a Sibéria. Na saída de Ulanbator, início da viagem, conheci dois ingleses de Manchester que estavam no vagão vizinho e tiveram suas carteiras roubadas ao subir no trem. Na Mongólia também acontecem esses imprevistos!
A viagem até Ulan Ude, capital da República da Buriatya, uma das republicas que formam a Federação Russa, dura mais de 36 horas. A maior parte parado na fronteira, desembaraçando o trem para sair da Mongólia e entrar na Sibéria. Os contrabandistas correm de vagão em vagão temerosos e agoniados escondendo as caixas de mercadorias pelos compartimentos.
Para complicar ainda mais o trem onde me encontrava procedia de Beijing na China, cidade que naquela época padecia de SARS, a mortífera pneumonia asiática. As agentes sanitárias russas, usando luvas e mascaras bem vedadas, tiravam a temperatura de cada passageiro e apresentando-se qualquer sintoma atípico era vedada a entrada no país.
Em Ulan Ude, fiz o registro do meu visto e segui para Irkutsk nas proximidades do Lago Baikal.
O Lago Baikal é bonito demais! Realmente impressionante. Sozinho, possui mais água que todos os grandes lagos americanos juntos. Além de ser o lago mais fundo do mundo, teria a capacidade de abastecer sozinho toda a população terrestre por 40 anos.
Tentei arriscar um mergulho nas suas águas gélidas de 4°C após uns shots de vodka, mas não foi possível.
Em três dias de Baikal deu pra recarregar toda a energia. Fiquei hospedado na casa de uma vovó simpática chamada Valentina. Como o mundo é pequeno: estava eu caminhando às margens do lago, tranqüilo comendo uma truta defumada e buscando lugar para dormir quando encontrei meus amigos ingleses que conheci no trem na saída da Mongólia, os da carteira roubada, e assim acabei na casa onde eles estavam, da vovó Valentina.
Do Lago Baikal peguei um vôo de quatro horas com a Air Vladivostok para a cidade de mesmo nome. Que medo! Voar num Tupolev caindo aos pedaços de 40 anos é uma experiência única que com toda certeza evitarei repetir.
O alivio da chegada em Vladivostok durou pouco. Na porta do avião tive meu passaporte checado pela polícia e em seguida me detiveram, pois esta cidade não constava descrita no meu visto de turista e queriam saber que diabos fazia eu naquele lugar. Será que tenho pinta de espião?
Tentei sem êxito chamar minha embaixada, e após seis horas junto com mais três jornalistas coreanos na mesma situação fomos todos inesperadamente liberados.
No Oceano Pacifico, Vladivostok é a extremidade leste da ferrovia Trans-Siberiana, e no meu caso, o ponto de partida para minha viagem de 9.289 Km até Moscou.
É também uma cidade que sempre me fascinou desde os tempos de War. Um ponto super estratégico muito próximo à Coréia do Norte, China e Japão e sede da frota marinha russa do Pacifico. Durante os anos soviéticos e até poucos anos atrás esta cidade estava proibida para estrangeiros.
Conheci a cidade, bem interessante por sinal, mas meio traumatizado e com um pouco de receio pela situação do meu visto. Finalmente consegui pegar o primeiro trem em direção a Moscou.
Fiz uma parada em Khabarovsk, às margens do Rio Amur na fronteira com a Manchúria. Uma cidade bem agradável e até com duas praias artificiais às
margens do rio.
De Khabarovsk fui a Novosibirsk numa puxada de três dias sem sair do trem. Nesse longo trecho, quase todo dominado pelas florestas de Taiga e pelo Lago Baikal, li "O Idiota" de Dostoievski quase pela metade, comi muita mortadela com pepino, tomei cerveja com meus companheiros de cabine e decorei todo o alfabeto cirílico.
Quando não agüentava mais comer macarrão instantâneo, tomar sopa de pacote e tentar me comunicar em russo sem muito sucesso com meus companheiros de cabine chegamos em Novosibirsk, a grande cidade da Sibéria Central.
Consegui descolar uma cama no disputado hotel da estação de trem, mais difícil que ganhar na loteria segundo o Lonely Planet, e tomar um banho de água quente pela primeira vez em dez dias de Sibéria.
Novosibirsk, as margens do Ob, um dos maiores rios do mundo cujo delta é lá no Ártico, é uma grande cidade, com uma excelente rede de metrô, famosas universidades, teatros e bons restaurantes. Foi também durante os longos anos de comunismo um dos maiores centros de pesquisas dos cientistas da Ex-URSS.
Passei também por Yekaterinburg, cidade natal de Boris Yeltsin, centro industrial e das riquezas naturais dos Montes Urais. Esta cidade é historicamente mais conhecida por ter sido o local onde o czar Nicolai II, sua esposa e crianças foram assassinados pelos Bolcheviques durante a Revolução Russa em 1918.
No dia seguinte embarquei no famoso Rossiya, trem número 01, e após mais algumas sopas de pacote e macarrão instantâneo, cruzando os Urais, saindo da Eurásia e entrando na Europa, cheguei em Moscou na famosa estação Yaroslav: ponto final da minha aventura Trans-Siberiana.
Como foi bom chegar em Moscou depois de dias dentro de um trem! Cosmopolita, agitada e organizada, Moscou oferece inúmeras opções de lazer, gastronomia e cultura. Suas estações de metrô são verdadeiras obras de arte. O teatro Bolshoi é um espetáculo à parte. A arquitetura soviética dos prédios em blocos, sua Praça Vermelha, o sarcófago de Lênin onde é possível vê-lo mumificado, as lojas GUM, e o Kremlin nos dão a certeza que Moscou é uma cidade que não perde em nada para nenhuma outra grande cidade européia.
A ferrovia Trans-Siberiana, uma das maiores maravilhas do mundo moderno, atravessa grandes rios, corta montanhas, florestas densas e vastas estepes cobertas de neve durante a maior parte do ano. Liga os extremos Leste-Oeste do maior país do mundo. O início de sua construção em 1891 foi um grande marco da engenharia e consolidou o vasto território russo. Seus 9.289 Km unindo Moscou ao Oceano Pacífico são percorridos em sete dias de trem, o que fazem dela a mais longa viagem de trem existente percorrendo um terço de nosso planeta.
Por Raul Frare
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Sunday, April 18, 2010
Uzbequistão
O vôo de Istambul a Tashkent, capital do Uzbequistão, dura pouco menos de cinco horas. A imigração é lenta e extremamente burocrática, um verdadeiro caos. Não existem filas e todos se amontoam desesperadamente para conseguir entrar no país.
O carimbo no passaporte vem com um ar de vitória, mas a confusão não pára por aí, pois ainda tem a alfândega e os malditos taxistas que disputam os turistas a tapas para inconvenientemente tentar extorquir alguns dólares.
Tashkent é uma típica metrópole soviética, meio decadente, porém grandiosa, limpa e organizada. É a quarta maior cidade da ex-URSS, atrás apenas de Moscou, St. Petersburgo e Kiev. Suas estações de metrô são majestosas e foram projetadas para serem abrigos antinucleares. Por motivos de segurança tirar fotos dentro delas é extremamente proibido, uma pena, levando em conta a riqueza dos detalhes e suas ornamentações.
A maneira mais segura e eficiente de viajar pelo país é de táxi. Além de ser muito barato você ainda evita de voar em um dos aviões da antiga frota soviética. Fui a Samarkand descendo o país por um corredor entre o Cazaquistão e Tajikistão.
Quando Alexandre o Grande chegou a Samarkand em 329 BC disse: “Tudo que eu escutei sobre Samarkand é verdade exceto que é ainda mais bonita do que eu imaginava”. Realmente Alexandre tinha razão. Samarkand é a cidade mais gloriosa do Uzbequistão com uma longa e rica história. Durante séculos foi o centro econômico e cultural da Ásia Central. Os minaretes, mosaicos e domos turquesas de seus grandes templos como o “Registan”, suas mesquitas e bazares coloridos dão um tom mágico e especial ao local.
Hospedei-me na Bahodir B&B, uma “guesthouse” simples, mas com um aconchego familiar que poucos hotéis mais caros poderiam oferecer. Conheci ali vários viajantes que estavam viajando da Europa a Ásia por terra. Dentre eles dois londrinos que saíram de carro de Londres e rumavam a Ulanbator na Mongólia, patrocinados e levantando fundos para salvar as crianças da Ásia Central. O site deles é muito interessante: www.drivetomongolia.org
De Samarkand fui para Bukhara. São três horas de viagem cruzando as plantações de algodão e planices desérticas. O Uzbequistão é um dos maiores produtores mundiais de algodão graças ao desvio das águas que alimentam o Mar de Aral que por sua vez fora um dos maiores lagos do mundo e hoje, praticamente seco, gera grandes desastres ambientais.
Bukhara é a cidade mais sagrada da Ásia Central. As ruelas da cidade antiga e suas construções de argila formam grandes labirintos nos dando a impressão de que o lugar não deve ter mudado muito nos últimos séculos. Bukhara é também um grande espetáculo ao vivo com seus vendedores de tapetes, bazares cobertos e “medressas” (escolas que ensinam o Islã) cheias de vida, musicas, aromas e fumaça.
Apesar da população predominantemente muçulmana Bukhara ainda possui um quarteirão judaico datando do século 13. Suas duas sinagogas possuem mais de 200 anos e ainda prestam o “Shabat” em Tajik, o idioma local.
Em mais 6 horas de viagem cheguei a Khiva, uma cidade remota nos confins do Uzbequistão que antes fora centro das caravanas de escravos e crueldade bárbaras. Khiva é protegida por uma grande muralha e diferentemente de outras cidades da Ásia Central está inteiramente preservada. Durante as noites pode-se observar a silhueta da Lua nos minaretes e colunas da cidade, um espetáculo de beleza indescritível.
O Hotel Khiva é a opção mais bacana de hospedagem por termos a oportunidade de nos hospedar numa verdadeira medressa. A antiga construção foi inteira adaptada para se tornar um hotel e os antigos quartos dos alunos que ali viviam para estudar o Islã foram transformados em pequenos quartos de hotel.
Sempre fui fascinado pela Ásia Central, isolada do resto do mundo com sua burocracia pós-soviética e seus desertos, estepes, montanhas e planices infinitas. Rico e milenar, o Uzbequistão é a grande atração dessa região. Suas cidades prosperaram muito durante a Rota da Seda e foram concebidas com uma arquitetura única e fabulosa.
Devido a sua importância foi também o epicentro de guerras e disputas sendo invadido por grandes conquistadores como Jenghiz Khan, Amir Timur, Ciro da Pérsia e Alexandre. Ao visitar o Uzbequistão temos a certeza de que em outros tempos esse não era o fim do mundo, mas sim o centro dele.
Informações Gerais
Nome:
Republica do Uzbequistão
Capital:
Tashkent
Área:
447.400 Km²
População:
25.9 milhões
Idiomas:
Uzbeque (oficial), russo e tajik (em Bukhara e Samarkand).
Religião:
90% muçulmanos sunitas, 10% outras.
Moeda:
Sum.
Vistos de entrada:
Necessário para todos mediante apresentação de carta convite. Não há representação consular no Brasil.
Como chegar lá:
Não há vôos diretos desde o Brasil. A melhor maneira é fazendo escalas em Londres, Paris, ou Istambul.
Frases:
olá = salom aleikum
obrigado = rakhmat
Preços:
Quarto individual em guesthouse com refeição: US$ 10
Refeição simples em restaurante local = US$ 3
Garrafa de cerveja = US$ 2.50
Litro de Água Mineral = US$ 0.40
Litro de Gasolina = US$ 0.25
Por Raul Frare em 21/10/2005
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