Sunday, April 18, 2010

Uzbequistão












O vôo de Istambul a Tashkent, capital do Uzbequistão, dura pouco menos de cinco horas. A imigração é lenta e extremamente burocrática, um verdadeiro caos. Não existem filas e todos se amontoam desesperadamente para conseguir entrar no país.

O carimbo no passaporte vem com um ar de vitória, mas a confusão não pára por aí, pois ainda tem a alfândega e os malditos taxistas que disputam os turistas a tapas para inconvenientemente tentar extorquir alguns dólares.

Tashkent é uma típica metrópole soviética, meio decadente, porém grandiosa, limpa e organizada. É a quarta maior cidade da ex-URSS, atrás apenas de Moscou, St. Petersburgo e Kiev. Suas estações de metrô são majestosas e foram projetadas para serem abrigos antinucleares. Por motivos de segurança tirar fotos dentro delas é extremamente proibido, uma pena, levando em conta a riqueza dos detalhes e suas ornamentações.

A maneira mais segura e eficiente de viajar pelo país é de táxi. Além de ser muito barato você ainda evita de voar em um dos aviões da antiga frota soviética. Fui a Samarkand descendo o país por um corredor entre o Cazaquistão e Tajikistão.

Quando Alexandre o Grande chegou a Samarkand em 329 BC disse: “Tudo que eu escutei sobre Samarkand é verdade exceto que é ainda mais bonita do que eu imaginava”. Realmente Alexandre tinha razão. Samarkand é a cidade mais gloriosa do Uzbequistão com uma longa e rica história. Durante séculos foi o centro econômico e cultural da Ásia Central. Os minaretes, mosaicos e domos turquesas de seus grandes templos como o “Registan”, suas mesquitas e bazares coloridos dão um tom mágico e especial ao local.

Hospedei-me na Bahodir B&B, uma “guesthouse” simples, mas com um aconchego familiar que poucos hotéis mais caros poderiam oferecer. Conheci ali vários viajantes que estavam viajando da Europa a Ásia por terra. Dentre eles dois londrinos que saíram de carro de Londres e rumavam a Ulanbator na Mongólia, patrocinados e levantando fundos para salvar as crianças da Ásia Central. O site deles é muito interessante: www.drivetomongolia.org

De Samarkand fui para Bukhara. São três horas de viagem cruzando as plantações de algodão e planices desérticas. O Uzbequistão é um dos maiores produtores mundiais de algodão graças ao desvio das águas que alimentam o Mar de Aral que por sua vez fora um dos maiores lagos do mundo e hoje, praticamente seco, gera grandes desastres ambientais.

Bukhara é a cidade mais sagrada da Ásia Central. As ruelas da cidade antiga e suas construções de argila formam grandes labirintos nos dando a impressão de que o lugar não deve ter mudado muito nos últimos séculos. Bukhara é também um grande espetáculo ao vivo com seus vendedores de tapetes, bazares cobertos e “medressas” (escolas que ensinam o Islã) cheias de vida, musicas, aromas e fumaça.

Apesar da população predominantemente muçulmana Bukhara ainda possui um quarteirão judaico datando do século 13. Suas duas sinagogas possuem mais de 200 anos e ainda prestam o “Shabat” em Tajik, o idioma local.

Em mais 6 horas de viagem cheguei a Khiva, uma cidade remota nos confins do Uzbequistão que antes fora centro das caravanas de escravos e crueldade bárbaras. Khiva é protegida por uma grande muralha e diferentemente de outras cidades da Ásia Central está inteiramente preservada. Durante as noites pode-se observar a silhueta da Lua nos minaretes e colunas da cidade, um espetáculo de beleza indescritível.

O Hotel Khiva é a opção mais bacana de hospedagem por termos a oportunidade de nos hospedar numa verdadeira medressa. A antiga construção foi inteira adaptada para se tornar um hotel e os antigos quartos dos alunos que ali viviam para estudar o Islã foram transformados em pequenos quartos de hotel.

Sempre fui fascinado pela Ásia Central, isolada do resto do mundo com sua burocracia pós-soviética e seus desertos, estepes, montanhas e planices infinitas. Rico e milenar, o Uzbequistão é a grande atração dessa região. Suas cidades prosperaram muito durante a Rota da Seda e foram concebidas com uma arquitetura única e fabulosa.

Devido a sua importância foi também o epicentro de guerras e disputas sendo invadido por grandes conquistadores como Jenghiz Khan, Amir Timur, Ciro da Pérsia e Alexandre. Ao visitar o Uzbequistão temos a certeza de que em outros tempos esse não era o fim do mundo, mas sim o centro dele.

Informações Gerais

Nome:
Republica do Uzbequistão

Capital:
Tashkent

Área:
447.400 Km²

População:
25.9 milhões

Idiomas:
Uzbeque (oficial), russo e tajik (em Bukhara e Samarkand).

Religião:
90% muçulmanos sunitas, 10% outras.

Moeda:
Sum.

Vistos de entrada:
Necessário para todos mediante apresentação de carta convite. Não há representação consular no Brasil.

Como chegar lá:
Não há vôos diretos desde o Brasil. A melhor maneira é fazendo escalas em Londres, Paris, ou Istambul.

Frases:
olá = salom aleikum
obrigado = rakhmat

Preços:
Quarto individual em guesthouse com refeição: US$ 10
Refeição simples em restaurante local = US$ 3
Garrafa de cerveja = US$ 2.50
Litro de Água Mineral = US$ 0.40
Litro de Gasolina = US$ 0.25

Por Raul Frare em 21/10/2005



Monday, April 5, 2010

Travel Journal - 7 dias no Tibet - Uma viagem pelo Teto do Mundo












Junho de 2003

De Kathmandu no Nepal à Lhasa no Tibet: 1.500Km de estrada pelo Teto do Mundo

Minha vontade era fazer uma viagem independente ao Tibet, porém ao chegar em Kathmandu fui informado pelo Consulado Chinês que não era mais permitida a entrada de estrangeiros independentes no território tibetano. Fui obrigado a me juntar a um grupo de espanhóis e alemães e então juntos alugamos camionetes 4x4 com motoristas chineses para nos levar até Lhasa.

Cruzamos a "Friendship Bridge" que liga o Nepal ao Tibet à pé, caminhamos com nossas mochilas por 8 km por meio a uma espécie de terra de ninguem, passamos pela imigração chinesa e logo encontramos os nossos motoristas. Éramos um comboio de cinco carros.

Uma semana antes da viagem passei em repouso me recuperando de uma intoxicação alimentar (adquirida na Índia) no quarto de uma guesthouse “trash” na Thamel em Kathmandu que parecia mais um inferno. Febre alta, câimbras, dores e muito suor. E para complicar anda mais estávamos no meio de uma epidemia de SARS. Se eu resolvesse pedir ajuda médica correria o risco de me colocarem em quarentena dentro de um hospital.

Eu ainda não estava 100% recuperado, mas mesmo assim decidi seguir viagem para o Tibet. Foi apenas eu pisar em território tibetano que me deu a maior dor de barriga e quanto mais alto subiamos menor era a pressão atmosférica lá fora e maior a pressão dentro das minhas tripas. Tive a sensação de ter um bote inflável explodindo dentro do meu estômago. Sem dúvida uma experiência para não esquecer nunca mais.

Muitas curvas montanhas acima, precipícios, desfiladeiros, tempestades de neve e muitos yaks, uma espécie de vaca peluda que vive nas montanhas gélidas. Aos poucos fomos cruzando os Himalayas e logo alcançamos o planalto tibetano. A escassez de oxigênio se nota já de primeira e o cansaço e tontura são imediatos.

A altura média do planalto tibetano é de 5.000m acima do nível do mar. Impressionante é olhar pra trás e ver a cadeia dos Himalayas lá
de cima. Uma falsa impressão, as montanhas não parecem altas pois como já estamos a 4.000-5.500m de altura tem apenas mais 4.000m de montanha acima de nós.

A viagem até Lhasa leva 5 dias e passamos por todos os tipos de paisagens. De cenários polares nos 5.500m durante os passes mais altos a desertos com tempestades de areia e pradarias verdes com manadas de yaks.

Cruzamos os pequenos vilarejos no interior do Tibet: Shigatse, Lhotse e Wantse e visitamos seus monastérios budistas. Impressionante sua paz e espiritualidade. Logo percebemos que realmente o Tibet está em outra dimensão num outro mundo talves esquecido por nós.

A viagem teria sido perfeita não fosse um acidente ocorrido no ultimo dia de estrada antes de chegar a Lhasa. Um dos nossos 4x4 com os companheiros alemães despencou precipício abaixo. Foi muito triste passar ao lado do acidente e ver seus corpos enfileirados à beira da estrada. Podíamos ver suas mochilas e roupas espalhadas ao longo do penhasco. Mais forte ainda pensar que dias antes havíamos jantados todos juntos na mesma mesa...e ainda pior...aquele carro acidentado poderia ter sido o meu.

Finalmente após 1.500Km de chão chegamos em Lhasa. Uma grande decepção. Mais parece uma grande cidade chinesa de concreto com prédios modernos, hotéis de cadeias internacionais, cyber cafés, freeways e favelas. Uma imagem completamente oposta a que eu tinha imaginado antes de chegar lá. Tudo isso culpa de Mao Tse Tung e do governo chinês que promoveu uma imigração em massa de chineses ao Tibet para poderem obter o controle da região. Com isso a cultura tibetana foi praticamente destruída. O verdadeiro Tibet existe “ainda” apenas nos pequenos povoados no interior do país.

Impressiona também o retorno de avião para Kathmandu onde o avião passa literalmente o lado do cume do Mt. Everest a 8.848m de altura. È possível notar a cor azul escura do céu a sua volta e o cume piramidal da montanha.

Esta é uma viagem muito árdua e complexa devido às condições físicas e naturais do terreno: altitudes elevadas, grandes variações de temperatura e ar quase que rarefeito. Devido ao degelo da neve no verão as estradas são muito ruins. Driblar os trâmites burocráticos do governo chinês não é uma tarefa fácil também.

Quem sabe algum dia os chineses desocupem essa região e assim o Dalai Lama e os milhares de refugiados tibetanos possam voltar a viver tranqüilos em seu lar.

Por Raul Frare

Sunday, April 4, 2010

Travel Journal - Carnaval no Curdistão – Crossing into Iran











Dogubayazit - Curdistão, Fevereiro de 2003

Saí de Istambul e vim em direção ao leste da Turquia (Eastern Anatólia). Essa região e mais conhecida como Curdistão e engloba o sudeste de Turquia, e nortes de Síria, Iraque e Irã.

Estou mais precisamente em Dogubayazit, uma cidadezinha ao lado do Monte Ararat (aquele da Bíblia onde a Arca de Noé encalhou durante o dilúvio). Essa cidade também é a porta de entrada para o Irã. A fronteira fica a 30 km daqui e pretendo cruzá-la amanhã pela tarde.

A viagem de ônibus desde Erzurum foi um pouco cansativa, 6 horas e todo mundo fumando com as janelas fechadas, o prazer nacional aqui do Curdistão.

Em todos lugares que entro aqui eu saio com um cigarro na mão mesmo sendo um não fumante pois os curdos se ofenderiam caso eu não aceitasse.

Todos me perguntam de onde venho e porque viajo sozinho: Brezilia? Ronaldo, Romário, Bebeto...e mais motivos para cigarros.

A paisagem aqui lembra uma região polar. Para onde você olha está tudo branco de neve, casas soterradas, etc. A impressão que temos é que estamos viajando por uma estação de esqui. Quero só ver a hora que começar a degelar toda essa neve...terão que construir uma nova Arca de Noé, hehehe, e vai ter curdo indo parar lá no Golfo Pérsico.

Estou num camping onde se hospedam as caravanas que viajam “overland” aqui pela Ásia. Finalmente estou usando meu saco de dormir e pagando apenas US$2 para dormir.

Apesar da nevasca em Istambul estava muito legal e divertido. Fui jantar com meus amigos turcos de Berkeley e com seus amigos num restaurante típico. Estávamos numa mesa em 15 pessoas e comemos como sultões, bebemos muito raky, cantamos e dançamos. Que povo mais animado...até parecem brasileiros! Não preciso dizer que no dia seguinte acordei com aquela ressaca e pra lá de Bagdad.

E aqui estou geograficamente também pra lá de Bagdad. Amanhã finalmente cruzarei a fronteira com o Irã. Devo passar um mês viajando por lá, depois sigo para Dubai nos Emirados Árabes, Paquistão, Índia, Nepal e Tibet.

Conto agora um pouco sob a guerra por aqui (Gulf War II)...bom...essa região onde estou ao norte do Iraque é para onde os EUA pretendem enviar seus 60.000 soldados mas graças a Deus a Turquia vetou a entrada desses soldados mais uma vez e o parlamento turco só votará esse tema novamente (abrir seu território aos EUA) na próxima terça-feira...e neste dia já estarei bem longe daqui.

Um abraço a todos e boas festas de Carnaval. Vou aproveitar o meu por aqui aos 15 graus abaixo de zero no meio do Curdistão.

Por Raul Frare